sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Pelo direito à opção: eu escolhi não ter filhos - e consegui!


Há quase 2 anos atrás eu escrevi uma postagem manifestando minha vontade de não ter filhos. De lá pra cá muita água rolou, muita coisa mudou, menos essa vontade. Como eu tinha dito na época, fui barrada de todas as maneiras possíveis, mas hoje, com 30 anos completos, eu posso comemorar um objetivo conquistado: consegui minha laqueadura pelo sistema público de saúde, sem nem ao menos ter estado grávida uma única vez.

A maioria dos motivos que me levaram a essa decisão podem ser conferidos na postagem que mencionei anteriormente, embora de lá pra cá ainda mais razões acabaram se tornando evidentes para que minha decisão fosse apenas reforçada.

Então, com a taça em mãos, volto ao assunto para trazer à tona que se eu consegui, você também pode. Independente de ser homem, mulher, de ter ou não filhos, você pode fazer essa opção. E vou contar minha trajetória.


A parte prática

O que tornou meu sonho possível foi a Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996 de Planejamento Familiar. Confira:

(se as letrinhas estiverem muito pequenas é só clicar na imagem para abrir em tamanho original, ou clicar aqui para redirecionar para o link oficial)

Mas na prática a coisa é bem diferente. Dificilmente alguém vai admitir que essa lei existe a não ser que você prove o contrário. Foi o que aconteceu comigo há dois anos, quando eu vi com meus próprios olhos a enfermeira conversar com mais de um(a) assistente social por telefone e insistirem que eu precisava ser mãe de dois para ter direito à esterilização.

As coisas só mudaram quando eu fiquei sabendo que tinha entrado uma assistente social no posto de saúde em que eu me consulto, e resolvi tentar novamente. Ao contrário de todos os outros profissionais, ela foi a primeira a admitir que eu realmente tinha esse direito, apesar de não incentivar. Tivemos uma longa conversa, ela me contou um sem número de histórias de pessoas que ela conhece que não queriam ter filhos e mudaram de ideia ao longo do tempo, de mulheres que fizeram laqueadura e se arrependeram depois, etc.


E no final das contas, embora por lei a pessoa possa optar pela esterilização a partir dos 25 anos, ela recomendou que eu entrasse com o pedido com 30 - eu já estava com 29 - para aumentar as chances de ser atendida. E assim o fiz. E assim consegui.

O processo é exaustivo. Não, não o processo burocrático. As pessoas são exaustivas. De outubro a fevereiro - tempo entre a entrada do pedido e minha cirurgia - eu simplesmente perdi as contas de quantas vezes tive que explicar das maneiras mais diferentes que sim, eu tinha certeza e que não, esse procedimento não era ilegal. Entre as perguntas mais comuns, provavelmente você vai ouvir:

- Mas e se você se arrepender depois?
Bom, a vontade é de responder "aí já foi, né". Mas eu vou mais longe: já falei sobre isso no meu perfil pessoal e volto a falar aqui. Imagine a seguinte situação: você engravidou, está super feliz e vai contar pros seus amigos, colegas e familiares. A maioria te parabeniza, lógico, porque é o certo a se fazer, mas eis que surge alguém visivelmente consternado e pergunta: "mas e se depois você se arrepender?". Quero dizer, você não vai responder que em caso de arrependimento vai matar seu filho, né. Ou doar para alguém que queira. Porque em tese você está fazendo uma escolha que não lhe permite arrependimento. Embora eu e você estejamos optando por coisas totalmente opostas, o princípio é o mesmo. Eu estou tomando uma decisão para o resto da vida, exatamente como você, e espero que meu desejo seja respeitado.

- Mas e se você conhecer o amor da sua vida?
Essa dá até vontade de pular. Porque sério, é muito antigo que as pessoas ainda pensem que o amor entre duas pessoas só será completo caso elas gerem um ser vivo que se origine exclusivamente do DNA dos dois. Mais uma vez: ninguém faz essa pergunta a alguém ao descobrir que essa pessoa é naturalmente estéril, faz? Also, alguém já parou para pensar em quantas crianças já existem no mundo loucas por um lar cheio de amor? Eu simplesmente não consigo aceitar que para amar uma criança ela precise ter meus genes ou sair do meio das minhas tripas. E se o amor da minha por acaso cogitar que eu não seja adequada pra ele porque não posso gerar filhos "legítimos", definitivamente ele não é o amor da minha vida.


Resumindo, a maioria das perguntas não gira em torno de você ou da sua vontade, mas da vontade de uma pessoa que ainda nem existe na sua vida, e isso é inaceitável pra mim! Hoje eu não penso nem em gerar uma criança - até porque já providenciei para que isso não acontecesse - e nem em adotar, porque acho que não conseguiria suportar a pressão de todos os dias imaginar se meu filho voltaria vivo da escola ou não seria sequestrado no meio do caminho pra padaria. Se um dia conseguir lidar emocionalmente com essas questões, a adoção será uma ideia muito bem-vinda.

Não se engane ao pensar que a partir do momento que seu pedido for deferido que seu desgaste acabou: você vai continuar ouvindo questionamento de todas as pessoas possíveis/imagináveis: eu estava sendo sedada na sala de cirurgia e continuava respondendo aos profissionais como eu havia conseguido aquilo e se eu tinha certeza.


Sistema Público de Saúde

Eu considero 4 meses um tempo aceitável entre meu pedido e a liberação da cirurgia. Não digo isso apenas levando em consideração a lentidão da saúde pública, mas é diferente você saber que tem certeza do que quer antes de entrar com o pedido e depois. O passo já foi dado, e esses meses são um tempo que pode vir bem a calhar para uma reflexão mais profunda sobre suas razões e motivações.

Minha cirurgia foi marcada para as 20:00 horas e a orientação era para que eu estivesse no hospital às 12:00 horas para internação. Mas o que aconteceu foi que não havia leitos disponíveis para todos e eu e minha mãe fomos obrigadas a esperar na recepção durante seis longas horas no desconforto de uma poltrona apertada e muito, muito calor. Talvez essa tenha sido a pior parte.

Depois da cirurgia os leitos continuaram raros, e fomos obrigadas a ficar, eu mais umas dez pessoas, em um cômodo que é usado para o paciente se recuperar da anestesia e então ser encaminhado para o quarto. Mas sem quartos... O jeito foi improvisar. A parte boa é que acabei fazendo amizade com a mulherada e o tempo acabou passando mais rápido.

Resumo da ópera: no outro dia, por volta das 15:00 horas eu já estava a caminho de casa. E hoje, um pouco mais recuperada, escrevo meu relato, a fim de esclarecer de uma vez esse mito e de mostrar que é possível. Basta um pouco - ou talvez não tão pouco - de paciência e insistência.

Ah, e eu não poderia deixar de citar o caso de uma das mulheres que conheci lá: seu nome é Lucy e ela estava se recuperando de uma mastectomia. Lutando contra o câncer, a maior força ela está tirando dos quatro filhos, todos adotados! Alguém ainda acha que ela é menos mãe por isso?

2 comentários:

  1. Uaul muito boa sua iniciativa, você é uma pessoas tem muita atitude e maturidade. Eu também acho ridículo esse pensamente massivo de que só somos alguém se temos uma família, filhos e uma casa. Muitos falam que amor nasce na família, mas muitas vezes a família acaba sendo o ninho da discórdia. E ter filho é não algo como brincar de casinha, é questão de ter maturidade, de saber que você se torna um orientador ou uma orientadora de um ser. Não é uma fantasia onde é tudo muito lindinho. É realmente questão de saber se pode arcar com a situação de educar uma criança, e de suportar todos o problemas. Acho sensato quando a pessoa acha que não é capaz, optar por não ter.

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  2. A gente não pode esquecer também que o maior interessado nessa conversa toda acaba sendo esquecido, que é o próprio filho! Qualquer motivação que você tenha que envolva apenas seus próprios motivos ao meu ver é facilmente descartada.
    Tente imaginar como será o mundo daqui a 20 ou 30 anos e se pergunte se você gostaria de viver nessa perspectiva. A violência cresce, o trânsito cresce, a saúde pública (e a privada também, basta acompanhar as reportagens sobre convênios médicos a todo o tempo) piora...
    Sinceramente, eu não consigo enxergar isso como "a dádiva da vida" ou qualquer coisa parecida. Ao meu ver, viver hoje é mais um desafio do que um presente.

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